Capítulos 1 e 2

Capítulo 1
Era o meu primeiro dia de aula na escola nova e eu estava realmente muito nervosa. Não por ter medo de não enturmar nem nada parecido, porque eu sou bastante comunicativa e, segundo minha mãe, “pra frente”, então esse tipo de problema eu não tinha. Meu medo era pagar mico com meu inglês, porque eu ainda estava me achando muito fraca, apesar das aulas intensivas que tivemos nos meses que antecederam a nossa ida. E depois vinha a questão da minha nacionalidade: eu sou brasileira apaixonada pelo meu país e já estava cansada de ouvir estórias de americanos fazendo piadinhas sem graça sobre o Brasil para os brasileiros recém chegados – tanto que eu já estava bem munida de respostas ásperas para os engraçadinhos de plantão.
Eu sempre fui muito ansiosa com tudo, mas se tem uma coisa que até hoje me tira o sono é o tal do “primeiro dia”, seja ele de aula, de trabalho, ou de qualquer outra coisa. Isso porque praticamente todo início de ano nós tínhamos que começar uma nova vida numa nova cidade e eu sempre ficava na maior expectativa de conhecer minha nova escola e meus novos colegas, e adorava ter todos os olhares voltados para mim, responder a todas as perguntas, ser inserida em todos os grupos... enfim, eu adorava a atenção que me davam por eu ser novata.
Então naquele dia eu estava me sentindo do mesmo jeito que sempre me sentia nas vésperas de enfrentar uma nova escola: animadíssima, quase saltitante, falante e sorridente e ao mesmo tempo minhas mãos suavam, minhas pernas tremiam, minha respiração falhava e meu coração se acelerava só de pensar que dessa vez eu estava num PAÍS totalmente diferente e, mais que isso, teria que me virar com uma língua que eu não dominava. Mas ainda assim eu estava super animada!
Após tomarmos o café todos juntos, como de costume, eu, meus pais e meus três irmãos saímos como uma família que sai pra viajar, toda excitada, rumo a nossas novas escolas e trabalhos: meu pai dirigia, eu ao seu lado, minha mãe e meus irmãos no banco de trás, ela com minha irmã Ana Clara (na época com 2 anos) no seu colo e meus irmãos Douglas e Caio, com 11 e 7 anos respectivamente, a seu lado, ambos brigando um com o outro para ver quem ia ficar na janela (como sempre).
Primeiro eles me deixaram na minha escola que era mais perto do apartamento onde estavamos morando temporariamente, no centro da cidade, depois seguiram para a escola dos meus irmãos que ficava um pouco mais longe, porém era mais perto da nossa futura casa, num bairro mais afastado e tranqüilo.
Antes de descer do carro meu pai me deu um beijo na testa e me disse para ligar para ele caso algo acontecesse e meus irmãos se despediram animadamente, me desejando boa sorte. Minha mãe deixou a Clarinha no colo do Caio e desceu para me acompanhar, mas eu logo protestei:
- Mãe, pelo amor de Deus! Tá todo mundo olhando! Tô parecendo uma criança retardada!
- Ok, mamãe vai ficar olhando daqui então, ta?
- MÃE!
- Tá bom! Tchau! Boa sorte! – ela me deu um beijo na bochecha e um abraço, e entrou no carro contrariada e eles foram embora e eu me encaminhei para a entrada da escola.
Logo de cara, fui recebida por todos aqueles olhares curiosos e surpresos que eu A-DO-RO ver! A medida que eu caminhava em direção a entrada, toda sorridente e simpática, acenando para aquelas pessoas desconhecidas, meu coração acelerava mais; tanto, que eu podia jurar que ele sairia do meu peito e quicaria pelo chão da escola. Minhas mãos suavam numa quantidade que o fichário escorregava. A primeira coisa que fiz foi procurar um banheiro para me ajeitar antes de procurar o diretor.
Algumas pessoas me olhavam estranho, como sempre, mas eu não estava nem aí: continuava caminhando alegremente pelos corredores, dando sorrisos e “Good Morning!” para todos que cruzavam meu caminho. Outras pessoas - a maioria delas, na verdade - me olhavam meio surpresas, depois sorriam e retribuíam meus cumprimentos.
Assim que o sinal tocou sai, meio perdida lendo todas placas, entre acenos e sorrisos, tão distraída que dei um encontrão tão forte num armário, pensei, que cai sentada no chão, com o fichário aberto e toda a papelada esparramada pelo chão.
- Au! - resmunguei, olhando pra cima e vendo que não se trava de um armário, mas sim de um rapaz não muito mais alto que eu, de cabelos compridos e loiros presos num rabo de cavalo frouxo com um estilo bem despojado.
- Céus, você está bem?! – ele se ajoelhou diante de mim todo preocupado.
Ele tinha olhos lindos, castanhos, doces e penetrantes ao mesmo tempo. E olhou tão direto nos meus que me desconcertou um pouco.
- Sim... – respondi sem graça, desviando minha atenção para meu material esparramado no chão.
- Me desculpe, eu estava distraído... Deixe eu te ajudar. – ele me ajudou a recolher minhas coisas, depois me ajudou a me levantar.
- Obrigada... – sorri, pensando “Nossa! Não sabia que ainda se ‘fabricava’ cavalheiros como os de antigamente...”.
- De nada. – ele retribuiu o sorriso com o sorriso de homem mais lindo que eu já vira até então e completou com uma piscadinha sexy. – Prazer, sou Zachary Walker Hanson, mas pode me chamar de Zac.
- Eu sou Melissa de Alencar Barcellos, mas pode me chamar de Mel. – segurei a mão que ele estendera.
- Ah, você é a Melissa, então? Estava indo ao seu encontro na diretoria.
- É mesmo? – fiquei surpresa e confusa “Como eles sabiam que eu gostava de loiros? Tinha isso no formulário de matrícula?” eu sempre fui de fazer piadinhas, inclusive nas horas trágicas, o que definitivamente não era o caso.
Ele percebeu minha confusão e logo me explicou que fazia parte do grêmio estudantil e que sua função era receber e enturmar os novos alunos, além de dar auxílio com o inglês no caso dos estrangeiros e finalizou sua fala dizendo:
- Ou seja: você vai ter que me aturar na sua cola por um bom tempo! – e riu, um riso gostoso e amigável e com uma das mãos me abraçando pelo ombro, seguimos até a diretoria.
“Ok, Mel, você já tem um amigo. Amigo GATO ainda por cima! Boa, garota, mandou bem!” pensei comigo mesma retribuindo o sorriso e o deixando me levar.
Entramos numa espécie de recepção e nos dirigimos ao balcão onde havia uma senhora de cabelos avermelhados presos num coque, sentada de frente ao computador do outro lado do balcão.
- Bom dia, Sra. Weisman! Como vai a senhora? – cumprimentou ele na maior animação do mundo, quase gritando.
A senhora, muito séria, o olhou por cima dos óculos e respondeu severamente:
- Isso aqui não é a sala de estar da sua casa, Sr. Hanson. Por favor, controle o seu entusiasmo.
Ele fez um “shhh” debochado pra mim e continuou a falar agora num tom de voz tão baixo que acho que até a Sra. Weisman teve dificuldade em ouvir:
- Avise a Sra. Broderick que eu e a aluna nova chegamos e a estamos aguardando aqui, ok?
Sentamos numa das cadeiras para aguardar. Enquanto isso ele pegou café, biscoitos, balas e tudo o mais que estava posto numa pequena mesa de lanche num dos cantos da sala. Ele realmente se comportava como se estivesse na sala de estar da casa dele.
Não esperamos muito até que a diretora viesse nos receber e nos encaminhasse para a sala dela.
~*~*~


Depois de falar da escola e das regras, ela me deu meu horário e nos liberou para que o Zac pudesse me apresentar a escola. Primeiro ele me mostrou meu armário, onde guardei meus pertences, depois me mostrou onde ficavam as salas de aula e laboratórios, os banheiros e vestiários, as áreas de esportes e atividades extracurriculares, a biblioteca, a sala dos professores, a coordenação e por fim o refeitório e a lanchonete onde ele me deixou faltando poucos minutos para começar o almoço.
- Bom, é isso então, Mel. Foi um prazer conhecê-la! Agora eu tenho que ir porque terá uma reunião do grêmio na hora do almoço e eu preciso organizar umas coisas. Se você precisar de alguma ajuda com as matérias atrasadas ou com o inglês, é só me procurar, ok? A gente se esbarra por aí. Fui! – ele deu um beijinho na minha testa, o que me fez corar (pra variar) e sumiu pelo corredor minutos antes do sinal tocar e a galera explodir em gritos e passos apressados pelos corredores.
Sempre que eu via um filme ou seriado americano que tinha escolas eu achava que comer em refeitórios devia ser o máximo e tinha muita vontade de o fazer, então aquela era minha oportunidade: entrei na fila, peguei um bandeijão e comecei a imitar o que os outros faziam.
- Ei, novata! – alguém chamou e eu olhei na certeza de que falaram comigo porque tanto a diretora quanto o Zac haviam acabado de me dizer que eu era a única aluna nova.- Senta aqui com a gente!
Na mesa tinha quatro pessoas, dois rapazes e duas moças, todos sorrindo simpáticos pra mim e acenando pra eu me aproximar e apontando para o banco.
- Oi! Obrigada pelo convite! – sorri e me sentei ao lado de uma menina de traços orientais que logo se apresentou:
- Eu sou Akemi Masaru Johnson , mas pode me chamar só de Akemi, e estes são: John Phillip Andrews, o Phill; Suzan Anne McKay, a Suzy; Brittany Morgan Smith, a Britt; e por último, mas não menos importante: Elloy Joshua Lawrence ou Elloy. – ela finalizou dando uma piscadinha para o último, depois prosseguiu:
- E aquele ali que se aproxima é Elliot Jason Lawrence, o gêmeo nerd do Elloy.
Quando olhei para o rapaz que se aproximava, fiquei surpresa com a semelhança entre ele e o que estava sentado na mesa diante de mim: ambos tinham peles claras que contrastavam com cabelos muito pretos e lisos, cortado baixinho e penteado com muito gel. Ele se aproximou desmentindo o título que recebera e me cumprimentou muito simpático.
Assim que a Akemi apresentou todo mundo e todos me cumprimentaram, eu me apresentei e nós passamos o horário de almoço juntos, conversando animadamente, depois cada um seguiu seu caminho.
Como ainda faltavam alguns minutos até o fim do intervalo, aproveitei para pegar meu discman e ouvir um pouco de música enquanto dava mais uma volta pelos corredores, o que foi um erro porque fiquei perdida e acabei chegando na aula alguns minutos atrasada:
- Pois não, senhorita, em que posso ajudar? – o professor pigarreou e perguntou severamente, me olhando com muita reprovação assim que abri a porta da sala.
Eu sorri meio sem jeito, dando uma olhada para a turma, acenando discretamente e sorrindo para a Akemi que estava na cadeira diante da mesa do professor e retribuiu o comprimento meio sem graça, depois perguntei:
- Eah.. Sr... Marshall? Aula de química?
Ele não respondeu nada, só apontou para a porta, onde li “Laboratório de Química” e depois apontou para o lado esquerdo do seu peito onde estava bordado em azul “Sr. Marshall”. Fiquei tão sem graça que só queria sair correndo dali para nunca mais voltar, mas minhas pernas tremiam tanto que eu tinha medo de arriscar dar um passo e cair como uma jaca no chão. Enquanto isso a turma toda observava em silêncio, mas eu conseguia ouvir alguns ruídos de riso contido, o que foi me deixando mais sem graça ainda.
O professor agora me encarava de braços cruzados sobre o peito, como se esperasse que eu dissesse algo mais, mas as palavras haviam sumido da minha boca juntamente com o sorriso e a empolgação do primeiro dia. Depois de alguns segundos, que pareciam horas, ele finalmente tomou a iniciativa e eu desejei que não o tivesse feito:
- A aula começa uma hora em ponto, não às uma e dez. – ele apontou para o relógio encima do quadro negro – Por tanto, senhorita... – ele olhou um papel encima da mesa diante de si. – Barcellos, certo? – eu concordei com um aceno de cabeça – Nos vemos na próxima segunda-feira às uma em ponto. Combinado? Enquanto isso você pode se dirigir a sala da Sra. Gordon para pegar sua primeira advertência. – e abriu um sorriso tão frio que fez meu coração gelar. Eu só consegui concordar com a cabeça mais uma vez depois a abaixei e saí, desejando que uma bomba caísse sobre a cabeça brilhante do tal Sr. Marshall.
Assim que a porta se fechou nas minhas costas, ouvi alguns ruídos de risada aumentar dentro da sala e menos de segundos depois um silêncio mortal caiu sobre a turma. Sai apressada dali desejando do fundo do meu coração que aquele lobo mal não tivesse matado as pobres ovelhinhas inocentes.
A Sra. Gordon riu quando lhe contei o motivo de estar ali, mas era um riso tão frio e morto que eu podia ter certeza que ela não estava achando aquilo NADA engraçado. Ela me deu um papel que eu deveria trazer assinado por um responsável na próxima segunda-feira para poder assistir a aula do Sr. Marshall. Parecia que ela sabia que eu estava cogitando a possibilidade de não trazer nunca mais o papel para nunca ter que assistir a aula dele, porque assim que preencheu, carimbou e assinou o tal papel, ela o entregou a mim e completou:
- Se você não trouxer assinado na próxima segunda, fica suspensa das aulas e atividades extracurriculares por uma semana e só entra na escola acompanhada pelo responsável. – e finalizou o discurso com um esboço de sorriso tão forçado que parecia que o rosto dela ia começar a trincar a qualquer momento.
Peguei o papelzinho, concordando com a cabeça e me sentei na cadeira em frente a mesa dela para guardá-lo e organizar meu fichário que estava uma zona. Ela falou alguma cosia que eu não entendi e saiu da sala. Eu estava me sentindo tão humilhada por aquele professor e com tanta raiva dele por ele ter estragado a magia do primeiro dia de aula que só queria ir embora pra casa logo.
Quando bateu o sinal da saída, eu peguei minhas coisas e sai a mil pelos corredores só com uma coisa em mente: “Tenho que sair desse lugar AGORA!”. Eu estava tão envergonhada que não queria encontrar nenhum dos meus colegas, mas como as cosias nem sempre saem como a gente deseja, quando dobrei a esquina do corredor que vai pra entrada, lá estavam a Akemi, a Suzy, o Phill e os gêmeos parados ao lado da porta me esperando:
- Ei, Mel! Como você está? Tudo bem? – a Suzy veio ao meu encontro toda preocupada
- Que pergunta idiota, Suzy! É claro que ela está péssima! Todo mundo fica péssimo quando leva uma advertência! – disse a Akemi, também se aproximando.
- Tô bem, gente... Sério. Obrigada! – tentei abrir meu melhor sorriso, mas assim como eu não consigo conter minha animação quando estou me sentindo bem, também não sei disfarçar quando não estou muito legal.
Fomos caminhando juntos até a calçada, de lá alguns pegaram o ônibus escolar, outros pegaram suas bicicletas, e eu segui caminhando até minha casa, que ficava há vinte minutos de caminhada dali.
Já estava na metade do caminho pra casa quando ouvi uma buzina insistente ao meu lado e resolvi olhar:
- Mel, entra aí! – era o Zac, novamente, me oferecendo uma carona, sempre com aquele sorriso simpático estampado no rosto.
Eu sorri de volta, o melhor que pude, e entrei no carro.
- Te procurei na sua sala no fim da aula, aí me falaram que você levou uma advertência do Sr. Marshall, é verdade? – ele perguntou preocupado.
- É... – respondi desanimada.
- Mas o que aconteceu? Você parece tristinha... Cadê aquele sorrisão bonito que me deu bom dia hoje?
Ele sorriu tentando me animar, mas só conseguiu me deixar sem graça. Eu não estava acostumada com homens sendo tão atenciosos e simpáticos comigo, muito menos quando nos conhecíamos a poucas horas e apesar de eu estar gostando, ele me deixava um pouco sem graça com os elogios que vez ou outra ele fez ao longo do curto caminho até em casa. O bom foi que eu acabei descendo do carro mais animada do que entrara.
A noite quando nos reunimos para jantar e contar como foi nosso primeiro dia, todos riram da minha primeira advertência e eu virei motivo de piada dentro da minha própria família.


_______________________________________________________________________


Capítulo 2


Depois de tomar uma advertência logo no primeiro dia de aula,passei a encerrar meus intervalos 20 minutos mais cedo nas segundas para não correr o risco de me atrasar para a aula do Sr. Marshall e nas demais aulas eu chegava com dez minutos de antecedência.
Na segunda semana de aula, comecei a fazer as atividades extracurriculares que a Sra. Broderick pediu para o Zac me ajudar a escolher, já que cada aluno deveria ter pelo menos quatro por ano e eu já estava com um déficit enorme – todos os alunos já tinham vários pontos de atividades extra desde o ano anterior e eu ainda não tinha nada.
- Olha: essas são as atividades que ainda têm vaga. – ele me mostrou uma folha impressa com todas as atividades oferecidas. – Você deve escolher as que mais te agradam, prestando atenção aos horários das aulas, ok?
Tinha tanta coisa que eu fiquei até perdida:
-Wow! É MUITA coisa!
- É sim. Mas vou te ajudar a escolher, quer ver? Hum... – ele pegou a folha de volta e a analisou concentrado. – Que tal.. xadrez? Você tem cara de quem joga xadrez.
Apesar da cara de concentrado e sério, ele só podia estar me zuando.
- EU?! Hahaha! Faz-me rir! Xadrez pra mim é estampa da roupa de cowboy.
- Hahaha.. BOA! Então... já que você entende de panos... que tal Moda?
- Moda? Olha bem pra mim: você me acha “na moda”? Sério, Zac!
- “Na moda” na mooda, não, mas você se veste bem, sim. Bom, pelo menos eu gosto... – pela primeira vez nesses poucos dias de muita convivência eu vi o Zac corar de vergonha e vi que por trás daquele jeitão todo despojado e sem vergonha ele tinha um “quê” de timidez que o deixava ainda mais encantador.
Me inscrevi no Teatro, no Jornal Estudantil, nas aulas de Artes e na aulas de Culinária, sendo que o último foi só porque o Zac insistiu muito após comer um dos sanduíches que eu levara de lanche um dia.
- Agora, vamos aos esportes! – ele pegou a folha da minha mão novamente e deu uma olhada rápida, depois me devolveu. - Dessas quatro atividades que você tem que escolher... NO MÍNIMO quatro, né? Pelo menos uma deve ser um esporte, Ok? – concordei o olhando nos olhos. Percebi que ele era do tipo que olhava nos olhos das pessoas quando elas falavam e ele só ouvia, mas ficava pouco a vontade quando o inverso acontecia.
- Então dá uma olhadinha aí e vê o que você mais gosta, ok? – ele desviava o olhar sempre que nossos olhos se encontravam e ficava ligeiramente corado.
Dei uma olhada e falei:
- Escolho vôlei e natação, então, que eu já praticava antes. Pode ser? – ele concordou com a cabeça e sorriu e eu assinalei as duas modalidades.
Depois ele pegou a folha de volta e falou:
- Então agora, além de te ver durante a semana, serei honrado com sua companhia aos sábados também! – ele abriu aquele sorrisão, depois acho que meio que se arrependeu da indireta, não sei, porque logo pigarreou e ficou concentrado nas minhas inscrições de novo, mas ainda tinha um sorrisinho nos lábios.
- Tem mais algum esporte que te interessa?
- Ahh... Eu bem gostaria de aprender a patinar no gelo, mas só por hobbie mesmo...
- Ah, podemos marcar com uma galera de ir ao I.D. no sábado, para eu te ensinar. O que me diz?
Devo ter feito uma cara de interrogação porque ele logo completou:
- O I.D. é um clube de patinação estilo Anos 70, assim... O nome mesmo é Icy Disco, aí fica tocando aquelas músicas disco enquanto a galera fica patinando... É bem legal, sabe?
Ele estava tão empolgado quanto eu com a idéia, então no sábado fomos eu, ele e mais uma galerinha ao I.D., onde ele me ensinou a patinar no gelo.
Paguei vários micos caindo no meio do ringue, mas até o final da noite eu já conseguia pelo menos patinar sem ter que agarra o braço de alguém e levar a pessoa pro chão comigo.
Foi a primeira vez que eu saí com minha nova turma. Depois disso passei a sair com eles praticamente todos os finais de semana, a maioria das vezes para ver filme no cinema ou na casa de alguém ou para ir ao próprio I.D. ou para fazer qualquer outro programa adolescente como festinhas do pijama entre as meninas nas quais os meninos eram proibidos de entrar.


~*~*~


Ainda no início do ano letivo, descobri que aquelas festas que acontecem nas escolas dos filmes e seriados também aconteciam na minha escola e pude vivenciar todo o frenesi que antecedia uma dessas festas.
A primeira que aconteceu naquele ano foi a Welcome Party, uma festa de boas-vindas que a própria escola oferecia todos os anos para todos os alunos ainda no primeiro mês de aula. Essa festa era a única que não exigia aquela formalidade dos meninos convidarem as meninas e os dois terem que chegar juntos na festa, nem exigia trajes sofisticados, porém como toda menina que se preze, assim que a festa começou a ser divulgada pelo Grêmio, eu comecei a surtar atrás de uma roupa “bem americana” pra vestir no dia.
Enquanto a Sra. Gonzáles escrevia o exercício de Espanhol no quadro, peguei uma folha do fichário e comecei um chat escrito com Suzy e Britt que fazia essa matéria junto comigo:
M - Meninas, já escolheram o que vão vestir na festa? Eu não tenho nem idéia do que usar!! Tô surtando!! SOCORROOO!!! –
B - Calma garota!! Não é nem um BAILE de nada, é só uma... confraternizaçãozinha de início de ano... Nada demais. Hahahaha
S – Se você tá assim com a Welcome Party, imagina como vai ficar com os BAILES e as festas dos formandos! Né Britt? Hahahah
B – EXATAMENTE! Hahahahha
M – Ai, gente, mas é que é minha primeira Welcome Party, né? Não sei como é, nem nada...
S – Ah, é igual uma festa de aniversário...
B – É! Mas não tem bolo nem aniversariante.
M – Oi? COMO é possível uma festa de aniversário, SEM um aniversariante!! E SEM bolo?!!...
S – AAAIII Mel!!! Você entendeu: é uma festa de aniversário. Pronto. Como você se vestiria?
M – Ah... não sei bem... Calça jeans... talvez?
B – Isso! Eu vou de calça jeans e tomara-que-caia. Quero aproveitar que ainda tá quente suficiente pra eu poder exibir minhas marquinhas de biquíni! Hihihihi
S – Eu vou com um vestidinho lindo que comprei na praia. Ele é tipo frente única, assim... com estampa floral... L-I-N-D-O!
M – Hum... Nesse caso, acho que vou de...
Alguém pegou o papel num movimento rápido vindo da carteira de trás. Quando me virei pra ver quem era, dei de cara com um rosto angelical emoldurado por uma cortina de cabelos dourado-escuros meio desgrenhados.
- Zac! Me devolve o papel! – sibilei tentando esconder o susto que levei ao vê-lo ali, já que quando entrei na sala quem estava na carteira de trás era uma menina ruiva.
- Quero participar do chat. – ele respondeu, com um sorriso debochado nascendo nos lábios.
- Você é menina, por acaso? O chat é entre eu e elas! – tentei não aumentar a voz, mas eu tinha ficado irritada com ele quando percebi que ele já começara a escrever alguma coisa no chat para o qual não havia sido convidado.
- Bom... – ele soltou o resto de cabelo preso, chacoalhou a cabeça e continuou – quando to assim e de costas, muita gente confunde...
Nessa hora nós dois caímos na gargalhada e contagiamos todo mundo que conseguira ouvir nossa conversa sussurrada, o que fez a Sra. Gonzáles, uma mulher de meia idade com traços latinos, esbravejar várias coisas em espanhol, entre elas xingamento que eu só entendi porque eram parecidos com português. Acabamos sendo encaminhados para advertência por termos causado “agitación en la clase”.
Apesar de a situação não ter a menor graça, ainda mais por ter sido minha segunda advertência em menos de um mês de aula, eu não conseguia parar de rir e o Zac não fazia absolutamente nada para me ajudar a conter o riso, muito pelo contrário, ele foi da sala da Sra. Gonzales até a sala da Sra. Gordon imitando a “Penélope Cruz idosa”, como ele a chamava.
A Sra. Gordon nos recebeu com a mesma simpatia que me recebera algumas semanas atrás, depois nos deixou na sala e saiu, dizendo que voltaria logo.
- Desculpe por isso, Melzinha. – disse ele, parando de rir e se sentando na cadeira em frente a minha.
- Ah, não tem nada não... Relaxa! – respondi ainda rindo, embora ele já estivesse mais sério.
- Não, tem sim! Você levou uma advertência por minha causa e isso não é legal... Eu sei que você não gosta de receber advertências, você já me falou isso... – ele olhava nos meus olhos e pude ver que ele estava sinceramente chateado e se sentindo culpado pelo ocorrido.
- Não, Zac, tá tudo bem mesmo! Não foi culpa sua! EU que não deveria ter começado o chat na hora da aula, em primeiro lugar..
- Mas eu não devia ter pego o papel, tampouco ter feito graçinhas e chamado atenção da professora.
- Nada ver, tá tranqüilo! Quem poderia imaginar que a “Penelope Cruz idosa” tinha trocado as pilhas do aparelho auditivo justo hoje? – tentei permanecer séria, acompanhando o tom da conversa, mas não consegui segurar o riso por muito tempo, nem ele, então tivemos outra crise de riso.
- Não, sério agora, Melzinha... – ele se recompôs com um pouco de dificuldade – Tô me sentindo mal por isso e preciso te recompensar de alguma forma.
- OK, então, isso o fará se sentir melhor?
Ele concordou com a cabeça, sorrindo, mas era um sorriso meio enigmático e tímido ao mesmo tempo, bem diferente dos que eu já vira no rosto dele.
- OK. Então o que você quer fazer? Me levar pra tomar um sorvete...
- Não.
A resposta dele veio meio rápida demais e me pegou de surpresa.
- Ah. Ok, então... – tentei pensar em algo, mas nada me vinha a cabeça – O que você quer fazer, então?
- Te levar pra Welcome Party. – ele respondeu prontamente e corou, talvez mais do que eu devia estar corada naquele momento. – Posso? – sorriu, tímida e esperançosamente, como uma criança que pede um pedaço do doce da outra.
Sabe aquela fração de segundo que parece durar uma eternidade? Assim foi aquele momento. Eu simplesmente fiquei ali, parada, sem ação e sem palavras. Só conseguia olhar pra ele atônita e ver o rosto dele expressar sutilmente ansiedade, esperança, vergonha e desanimo numa velocidade tão grande que parecia tudo um sentimento só.
Se não fosse o sinal tocar naquele instante, acho que eu estaria petrificada naquele lugar até hoje.
- Pronto, podem sair! – a Sra. Gordon gritou da porta da sala – Espero não vê-los aqui tão cedo.
Eu fiz que ia pegar meu material, mas o Zac segurou minhas mãos na mesa, chamando minha atenção pra si.
- Então, Melzinha, você quer ir a festa comigo? – ele exalava uma insegurança que contradizia completamente a atitude que estava tendo. Eu já havia percebido antes que por trás da descontração existia um cara tímido, mas naquela hora eu vi que se trava de um cara tímido e extremamente inseguro, que parecia ter perdido totalmente o controle da própria boca.
Enquanto eu processava o pedido e analisava toda a situação como se fosse uma mera espectadora de telenovela, uma vozinha dentro da minha cabeça gritava “SIM” tentando se fazer ouvir em meio a tantos pensamentos e sentimentos.
- Sim.. – me ouvi dizer finalmente e mal pude acreditar em mim mesma. “Acho que não é só o Zac que não tem controle sobre a própria boca, as vezes” pensei, sentindo as maçãs do meu rosto arderem como se estivessem pegando fogo.
A sensação que se seguiu a esse “sim”, me surpreendeu tanto quanto o convite. Eu sentia como se alívio, felicidade e nervoso estivessem sendo batidos num liquidificador dentro de mim. “Aliviada? Eu me sinto ALIVIADA?! Mas aliviada DE QUÊ?!” só consegui responder a essa pergunta tempos depois.
Os sentimentos que oscilaram no rosto do Zac enquanto ele aguardava uma resposta, deram lugar a outros sentimentos mais positivos que se resumiam a um sorriso que iluminou seu rosto e podia ser visto refletido em seus olhos.
Depois disso, saímos da sala lado a lado sorrindo, provavelmente os dois com cara de pateta, porque todo mundo nos olhava enquanto nos dirigíamos ao pátio da escola onde nos encontraríamos com o resto da galera.
Mais tarde naquele mesmo dia enquanto arrumava minha mochila para o dia seguinte, encontrei um papel dobrado no fundo da bolsa. Quando peguei e comecei a desdobrar, vi que era o chat escrito e me lembrei que o Zac estava escrevendo alguma coisa quando a professora nos abordou. Terminei de desdobrar o papel e lá no final, abaixo de onde eu havia começado a escrever, ele escreveu:
Z – Pode vestir qualquer coisa, Mel, desde que você vá com
A frase estava visivelmente incompleta, mas diante dos últimos acontecimentos deduzi que ele queria dizer “comigo”.