Capítulos 3 e 4

Capítulo 3


Suzy e Britt quase surtaram quando contei o que havia acontecido na sala de detenção. Parecia que eu estava falando que ele havia me pedido em casamento, tamanha era a euforia das duas.“Eu sabia que tinha alguma coisa!!” elas falavam, muitas vezes num coro que parecia ensaiado.
Eu não entendia o alarde todo que elas faziam com o fato de o Zac ter me convidado. Não conseguia ver o convite do modo como elas viam.
- Ele vai te pedir em namoro logo, logo. Eu SINTO que vai! – Britt batia o pé convicta de que seu sexto sentido não falharia.
Suzy a apoiava dizendo que ela tinha o dom de “sacar” quando uma amizade está “evoluindo” para algo mais.
- Pode acreditar, Mel: quando a Britt fala que vai, o negócio vai MESMO! Pode até levar um tempinho, mas é ba-ta-ta!
Eu achava que era coisa da cabeça delas e achava a maior graça dos “sinais” que elas listaram pra mim:
- Ele fica olhando pra você e sorrindo até mesmo quando você não está falando nem fazendo NADA, Mel! – Britt começou a “lista de sinais”.
- E te dá carona todos os dias mesmo nos dias que você tem que estar aqui UMA HORA mais cedo! Ou seja: ele perde UMA HORA de sono todas as terças e quintas pra te trazer pro treino de natação, sendo que os dias do treino dele são segundas e quartas e nesses dias ele vem, treina, depois vai na sua casa te buscar e volta novamente pras aulas! – Suzy, suspirou toda romântica.
- Que garoto abre mão de uma hora de sono pra dar carona pra uma garota que não é sua namorada, sem ter um interesse nem que seja mínimo de que ela um dia venha a ser?
Quando Britt falou isso eu ainda estava meio relutante em enxergar as coisas do jeito como elas (e o resto da escola, descobri depois) enxergavam. Eu ainda achava que ele fazia essas coisas por pura camaradagem, por pura amizade mesmo.
Zac era do tipo de rapaz que está sempre disposto a ajudar todo mundo, daqueles que se tivessem braços mais longos abraçariam o mundo. Vi isso logo no primeiro dia quando nos esbarramos no corredor e ele se preocupou em me ajudar a recolher meu material. Os outros rapazes da escola eram educados e tal, mas nenhum era tão cortês quanto ele.
Então pra mim o que ele estava fazendo por mim ele poderia estar fazendo por qualquer um que fosse recém chegado ao país e a escola e estivesse precisando de ajuda para se adaptar.
Mas para as meninas, que estavam botando a maior pilha de que ele estava sim caidinho por mim e viviam falando que formávamos um belo casal, essa “camaradagem de amigo” parecia mais “obrigação de namorado”.
Uma vez Britt filosofou: “Ele faz por você coisas que os caras só fazem quando estão afim da garota. Se você prestar mais atenção e parar com essa negação você vai ver que estamos certas.” E eu vi que ela estava certa pelo menos em uma coisa: eu estava em negação.
Negação porque não acreditava MESMO que ele poderia estar afim de mim,sendo que ele poderia ter qualquer menina do colégio – todas se derretiam por ele; negação porque não acreditava que a possibilidade delas estarem certas existia; negação porque não queria alimentar em mim uma paixão por ele; negação porque não queria me agarrar a esperança de estar sendo correspondida e me frustrar como já havia acontecido várias outras vezes...
Então, pra evitar qualquer possível desgaste emocional, preferi continuar na minha, ignorando as piadinhas e insinuações, levando toda e qualquer ação dele para o lado da “camaradagem de amigo”.


~*~*~


Então o dia da festa de boas-vindas ao ano letivo finalmente chegou. Eu havia passado a semana inteira bolando um visual bem legal com a ajuda da Britt e da Suzy, que insistiam que eu deveria ir “vestida para matar”, já que, supostamente, aquela seria uma noite especial. Depois de experimentar inúmeras pessoas de roupas minhas e delas, o visual mais votado foi vestido tomara-que-caia vermelho com um bolerinho de crochê branco.
- Desse jeito não tem nem como o Zac resistir! – minha mãe brincou quando veio ao quarto me avisar que ele já estava me aguardando na sala.
Levei um susto quando ela disse isso, pois achei que estava super atrasada, mas ela me disse que ele já esperava há uns 10 minutos e estava super tranqüilo jogando vídeo game com meu pai e meus irmãos. “Ah! É bem a cara dele já chegar se enturmando e fazendo amizade...” pensei alto.
- É, ele é bem extrovertido e somunicativo e simpático... – minha mãe era toda elogios.
- Ah, pronto! Agora mais uma pro fã-clube! – brinquei.
- Ah, virei fã mesmo! Ele é encantador! Você escolheu muito bem! – ela disse, enquanto me maquiava.
- Ai, mãe, pelo amor de Deus! Ninguém escolheu ninguém, somos só amigos, você sabe.
- Sei. Eu e seu pai também somos “só amigos” há 20 anos, já. – ela riu, quase gargalhou.
- Ah, pronto! Então agora, além da zuação de todo mundo da escola agora também serei zuada dentro da minha própria casa, pela minha própria mãe?! Que legal, isso! – resmunguei mal-humorada.- Pronto! Chega de maquiagem, to ótima assim. – me levantei da cadeira e sai do quarto pisando forte.
Eu estava tentando levar todas essas brincadeiras o mais na esportiva possível e na escola eu tinha certeza que conseguia muito bom, mas em casa... Ah, mas eu perdia a esportiva fácil!
Na sala, os quatro estavam fazendo uma festa jogando futebol no Playstation. Zac estava sentado no sofá entre meu pai e o Doug. Era uma cena engraçada, parecia que ele já era parte da família. Foi tão difícil eles me notarem na porta quanto eu conseguir tirar o Zac do meio deles.
- Pode deixar que eu voltarei outras vezes. Vai treinando enquanto isso! – ele disse ao Caio, quando este perguntou se ele não podia ficar mais.
- Volte mesmo, Zac, você é muito bem-vindo em nossa família!
Essa última fala da minha mãe foi a gota d’água. Na mesma hora o peguei pelo braço e quase o arrastei até o carro. Eu juro que se eu pudesse teria sumido dali naquele momento.
Não sei fiquei mais incomodada com a indireta diretíssima da minha mãe ou se foi com o fato de ele ter achado tudo muito engraçado.
- Do que você está rindo? – perguntei impaciente quando chegamos no carro.
- Da sua mãe, da sua família... de você. Vocês são tão engraçados!
Pela minha cara de interrogação ele percebeu que era melhor se apressar em se justificar
- É, quero dizer... Todos me receberam tão bem, me trataram como se já me conhecessem há tanto tempo... Parece até que andaram ouvindo coisas sobre mim, sabe?
Percebi que um sorrisinho torto meio sacana começou a brotar em seus lábios enquanto ele olhava minha reação pelo canto dos olhos.
- Claro que já ouviram falar de você! De você, da Suzy, da Britt e de todo mundo que já conheci até agora. – tentei ser o mais convincente possível de que eu falava de todos por igual, sendo que na verdade era fato que eu falava muito mais dele do que dos outros – pelo menos pra minha mãe e melhor amiga.
Ele soltou um “Ah” como se concordasse mas a julgar pelo sorrisinho que permaneceu ali, ou a minha capacidade de mentir e convencer as pessoas não funcionava com os americanos ou ele tinha o ego muito inflado pra acreditar nisso. De qualquer forma ele não tocou mais nesse assunto.
Chegamos a festa e entramos juntos, com direito a braços dados. Foi algo tão automático e natural que parecia de fato que éramos um casal. Todos pararam para nos olhar entrar e ao longo da noite, sempre havia um par de olhos curiosos nos acompanhando, mesmo quando estávamos separados.
A festa, como eu já esperava, foi bem legal, apesar de simples, como as meninas já haviam me avisado que seria, mas acabou muito cedo: quando às 22 horas em ponto a Sra. Broderick subiu ao pequeno palco montado numa das extremidades do ginásio e anunciou o término da festa.
Eu, Suzy e Britt paramos de dançar meio a contra-gosto quando a música parou e fomos pegar nossas bolsas na mesa, Phill veio nos encontrar.
- Prontas para o “pós-Welcome Party”, meninas? A festa pode acabar, mas a noite não, certo? – Phill falou animadamente enquanto nos dirigiamos até a saida do ginásio onde Zac e Elloy se juntaram a nós
- E aí galera, qual a boa da noite? – Zac perguntou, abraçando Britt e eu pelo pescoço.
– Seus pais estão viajando ainda, Phill? – Elloy perguntou animado – Podia rolar aquela festinha de lei lá na sua mansão, heim?
Todos concordaram prontamente com a sugestão de Elloy.
- Tá liberadaça!! Só não tem comida nem bebida, vamos ter que dar um jeito nisso.. – Phill respondeu lançando um olhar e um sorrisinho suspeitos para Elloy depois para Zac que retribuíram com expressões tão suspeitas quanto a dele.
Nos dividimos entre os carros de Zac, Phill e Akemi e fomos para uam loja de conveniência a caminho da casa de Phill, que ficava num condomínio de luxo afastado do centro.
A loja, pelo que entendi, era de um “camarada” que vendia bebida para eles sem pedir identificação comprovando a maioridade. Lá os meninos fizeram a festa na sessão de bebidas enquanto eu e as meninas escolhemos algumas coisas para comer. De lá seguimos para a casa de Phill onde ficamos comendo e bebendo enquanto conversávamos e ouvíamos música alta na enorme sala de estar da casa que pra mim era uma mansão.
Até então o máximo de bebida alcoólica que eu já havia tomado eram alguns goles esporádicos de vinho, cerveja, licores e drinks que meus pais preparavam dentro de casa mesmo e eu pedia para experimentar, mas nunca havia misturado dois tipos de bebidas nem tomado quantidade suficiente para ficar bêbada como aconteceu naquela noite. “Se meus pais descobrirem nunca mais vão me deixar sair com ninguém da escola!”
Eu não cheguei a ficar ruim porque tive o discernimento de parar antes que isso acontecesse, me permitindo chegar somente a fase da animação extrema e das crises quase intermináveis de riso. Mas acho sinceramente que se eu tivesse acompanhado o ritmo frenético do resto do pessoal, muito provavelmente teria entrado em coma alcoólico naquela noite.
Numa certa hora alguém começou a falar de tequila e outras bebidas e drinks latinos e me perguntaram se eu sabia fazer caipirinha e se podia fazer um pouco pra eles experimentarem:
- Saber eu até sei, mas não sei se tem todos os ingredientes aqui... – respondi me gabando um pouco.
Na verdade eu não estava muito afim de fazer, até mesmo porque eu não sabia se realmente sabia preparar a bebida, além de estar bastante preocupada com as possíveis conseqüências daquela ingestão excessiva de álcool, mas como assim que falei os ingredientes que precisaria, para meu azar, Phill me informou que sua família haviam passado o último verão no Brasil e trouxeram várias lembranças da viagem, entre elas uma garrafa de cachaça, me obrigada a ir preparar caipirinha para todos nós experimentarmos pela primeira vez.
Pra completar, entre as lembranças do Brasil, a família de Phill havia trazido um DVD com o desfile das escolas de samba campeãs daquele ano, que ele fez questão de colocar em alto e bom som e todo mundo ficou botando a maior pilha pra eu ensiná-los a sambar.
Nossa reuniãozinha improvisada acabou pouco antes de meia-noite porque a maioria de nós deveria estar em casa no máximo até esse horário, fora que eu, Zac, Elliot e Suzy fazíamos parte da equipe de natação e teríamos treino no dia seguinte bem cedo.


~*~*~


Na manhã seguinte à festa, durante todo o treino de natação pude notar que Suzy estava se coçando de curiosidade pra saber se havia acontecido alguma coisa entre eu e Zac e se sim, o que exatamente, mas o treino foi super intenso além de que sempre tinha alguém por perto.
A verdade é que eu ficava até aliviada quando alguém se aproximava e nos impossibilitava de falar sobre o assunto porque sabia que ela me enxeria de perguntas que eu não queria responder e faria várias análises e insinuações que eu não estava com muita vontade de ouvir.
Como eu já esperava, só consegui adiar essa situação até a hora que estivéssemos no vestiário nos arrumando pra ir embora. “Por favor, Deus, tomara que ela tenha esquecido! Tomara que ela tenha esquecido! Tomara que ela tenha...”
- Mel! Tô doida pra falar com você! – ela se aproximou de mim quando eu estava vestindo minha roupa após o banho.
- Comigo? Sobre o que? - Tentei parecer o mais naturalmente surpresa possível como se não soubesse de nenhum motivo especial que a pudesse deixar “doida” pra falar comigo.
- Como “Sobre o que” ? – a voz esganiçada de impaciência dela sobressaiu sobre as outras vozes no vestiário fazendo as demais presentes nos lançarem olhares interrogativos. - Sobre ontem, oras! – prosseguiu baixando o tom de voz a quase num sussurro. -
- O que teve ontém? – perguntei pra provocar. A curiosidade dela a estava deixando tão descontrolada que era engraçado de ver.
- Você e o Zac, oras! Quando ele te levou em casa, o que aconteceu? Me conta, por favor! – ela continuou falando quase num sussurro, sua impaciência fazendo sua voz ficar cada vez mais esganiçada.
Pensei por um minuto: “’O que aconteceu?’ Será que aconteceu alguma coisa que eu não to lembrando?” Um desespero bateu nas minhas costas porque pra ser sincera, eu não havia pensado muito na noite anterior até aquele momento, por tanto não havia feito um levantamento das possíveis burradas que cometi.
- Eah... Na verdade... – comecei, mas ela me interrompeu:
- Vocês ficaram não ficaram? EU SABIA! Eu percebi como vocês se olhavam e trocavam carinhos na festa quando achavam que ninguém tava olhando, mas eu estava! – ela sorriu triunfante.
“NÓS trocamos olhares e CARINHOS na festa? Meu Deus, porque eu não me lembro de nada disso?” o desespero dentro de mim só aumentava junto com a enorme vontade e necessidade de me lembrar mais coisas da noite anterior, além de termos ido pra casa do Phill depois da Welcome Party e de eu ter acordado com a roupa da festa – inclusive com os sapatos.
- Não! – gritei, interrompendo os devaneios dela.
Ela me olhou confusa e assustada e eu prossegui:
- Não aconteceu nada disso!.. Quer dizer... na verdade EU NÃO SEI, se aconteceu... – me larguei num dos bancos em frente ao meu armário, totalmente atônita.
- Como assim não sabe? Você não se lembra MESMO ou tá tirando uma com a minha cara? – ela se sentou do meu lado.
- Não, é muito sério isso: eu não faço IDÉIA do que aconteceu entre a hora que comecei a beber a primeira cerveja e acordei hoje de manhã com a mesma roupa que sai de casa ontem! JURO POR DEUS!!
Ao encarar Suzy e ver sua expressão, deduzi que ela estava tão apavorada quanto eu.
O mais engraçado foi a hora de voltar pra casa de carona com o Zac: eu não conseguia falar nem um “Ai”, tampouco olhar na cara dele. Ele estranhou isso.
- Ei! Perdeu sua língua na piscina, foi? – ele brincou. – VocÊ tava tão falante hoje cedo, agora ta muda... O que foi?
- Zac? – o chamei com um tom tão sério que tanto eu quanto ele nos assustamos comigo. – Precisamos conversar sobre ontem.
- Sim... ? – ele parecia confuso e curioso ao mesmo tempo.
- Então. Quanto a ontem, eu... – comecei lentamente, tentando respirar corretamente.
- Ah, já até sei o que você vai falar... Vocês mulheres as vezes são tão previsivas!... – ele riu.
Agora foi a minha vez de ficar confusa.
- Como é que é? Você sabe o que vou falar? Mas como... – a continuação da frase era “...se nem eu sei?”
Ele balançou afirmativamente a cabeça e disse:
- Não precisa se preocupar porque não vou contar pra ninguém, ok? É segredo nosso. Se alguém ficar sabendo, será porque você falou, porque dessa boquinha aqui não vai sair uma palavrinha sequer sobre o que rolou ontem a noite, ok? – ele fez como se tivesse fechado um zíper invisível na boca e jogado o cadeado também invisível fora.
Um turbilhão de perguntas passavam na minha cabeça: “Ai, pronto! A gente ficou, então, e ele ta achando que eu não quero que ninguém saiba... Mas porque eu não ia querer que soubessem? Ainda se ele fosse feio, mas não é! Não faz sentido eu não querer que saibam...” e “Da onde ele tirou tanta certeza pra achar que eu realmente não quero que isso se espalhe? Será que falei isso com ele? Aii!! Agora ele deve ta achando que eu me arrependi de ter ficado com ele o que muito não é verdade!! Preciso reverter isso URGENTE!”
- Não, Zac, não é bem assim... Não lembro o que eu te falei com relação a isso, sobre não contar pra ninguém e tal, mas de qualquer jeito, desconsidere. Não tenho motivo nenhum pra sentir vergonha disso!...
- Eu também não acho! Mas sei lá, vocês mulheres são tão frescas!... – ele riu.
Eu me senti aliviada por termos esclarecido aquela situação.
- Ótimo! Então ficamos acertos assim: não há motivo para escondermos o que aconteceu ontem. Só não sei exatamente como vamos ficar agora...?
- “Como vamos ficar agora?”... – ele fez uma cara como se eu tivesse falado uma língua extraterrestre indecifrável – Como vamos ficar agora, então?
- É! Como vamos ficar agora que a gente ficou e tal... – perguntei super sem graça.
- Wow wow wow! Pera aí...– ele freou o carro tão bruscamente, que o carro de trás quase batendo na traseira.
Ele jogou o carro pro acostamento e me encarou, os olhos arregalados uma expressão pasma no rosto.
- O que você disse?
Fiquei meio confusa com a reação exagerada dele e mais sem graça ainda por me ver obrigada a repetir o que havia falado.
- Eu disse que quero saber como vamos ficar agora que nós f... – comecei.
- “Ficamos”? Era isso que você ia falar? - concordei com um movimento de cabeça e ele caiu na gargalhada.
Fiquei tão em choque com a reação dele que fiquei sem ação só o olhando e me perguntando do que ele estava achando graça.
Quando ele finalmente voltou a me encarar deve percebeu que eu estava mais perdida que cego num tiroteio porque logo se recompôs e começou a falar:
- Você ta falando sério? Você realmente achou que nós tivéssemos FICADO ontem?
- A gente não ficou? – eu estava confusa.
- Não, Mel! – ele riu – De onde você tirou isso?
“Não?!” eu ainda estava um tanto confusa. Se nós não ficamos, a que ele se referia quando disse que eu não precisava me preocupar porque ele não vai contar nada pra ninguém então? Para essa pergunta eu não tinha nem noção de quais poderiam ser as respostas, então quando ele respondeu eu fui realmente pega de surpresa.
- Você vomitou no meu carro! Não se lembra? – ele deu outra crise de riso – E me pediu, alias, IMPLOROU pra que eu não contasse pra ninguém sobre isso.
Minha cara foi lá no chão. Senti tanta vergonha! Por tudo: por ter enchido a cara a ponto de ficar tão bêbada que vomitei no carro dele e ter tido amnésia no dia seguinte, por ter achado que nós tínhamos ficado, por ter feito esse papelão na frente dele e por tudo o mais que poderia ter acontecido e que eu simplesmente não me lembrava. Minha vontade naquela hora era evaporar!
Ele ligou o carro e seguimos caminho até minha casa e ao longo do caminho ele começou a contar resumidamente tudo que acontecera na noite anterior, e as lembranças foram voltando a minha mente a medida que ele ia contando.
Quando ele parou na porta da minha casa pedi mil desculpas pelo que acontecera na noite anterior:
- Tudo bem, Melzinha, relaxa! Lavei o carpete ontem mesmo, agora ta de boa. E como eu já falei, ninguém vai saber disso, só nós. – ele abriu um sorriso reconfortante.
- Ai que bom! E que bom que foi só isso mesmo que aconteceu, ne? – falei ainda super sem graça, porém bastante aliviada.
- É... que bom! - ele soltou um suspiro de alivio.
Passei o resto do fim de semana refletindo sobre o quanto eu havia ficado frustrada por ele ter se sentindo tão aliviado por isso. Isso me magoou, um pouco... Eu não estava acostumada a ser rejeitada por nenhum garoto do qual eu me aproximava. Geralmente era o contrário: eu não me deixava envolver demais e os rejeitava assim que percebia que um sentimento mais forte estava surgindo, afim de me auto-preservar já que eu nunca ficava nos lugares por muito tempo e não queria ir embora sofrendo.
Também me vi totalmente decepcionada por nós não termos ficado e por as “previsões“ de Britt e Suzy para aquela noite não terem se concretizado. No fundo, no fundo quando eu negava pra elas a existência de qualquer segunda intenção da parte dele ou da minha eu estava na verdade era negando pra mim mesma, porque eu sabia que pelo menos da minha parte existia um sentimento a mais, só que eu queria sufocá-lo o quanto pudesse até matá-lo para não passar pelo mesmo sofrimento que passara tantas vezes por ter me envolvido e quando ia embora sofria mais ainda do que sofrera quando simplesmente gostara em silêncio.


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Capítulo 4


A medida que o semestre foi passando, Zac foi cumprindo com sua promessa do primeiro dia de aula muito a risca: ele não saia da minha cola e eu tive que me acostumar com isso. Na verdade eu não sei se foi ele que grudou em mim ou eu que grudei nele, o fato é que viramos um grude só! Todo mundo observava isso e comentava - muitas vezes comentários maldosos – mas nós éramos só amigos apesar de muitos duvidarem dessa afirmação (inclusive eu mesma!) e só acreditarem no contrário.
De menino político e “nômade”, como o resto do pessoal da mesa o chamava porque ele passava o intervalo inteiro falando com todo mundo e nunca passava dois intervalos seguidos numa mesma mesa, ele passou a se sentar conosco com mais freqüência e raramente se ausentava da mesa quando o fazia. Também passou a andar mais com o pessoal do jornal e do teatro, grupos aos quais todos nós pertencíamos, do que com o pessoal do grêmio, do hockey e dos outros grupos aos quais só ele pertencia.
Eu não vi nada demais nisso, mas o resto da galera, que já o conhecia praticamente desde a infância, achou ele mudado e atribuiu essa mudança a minha chegada.
- E aí, pessoal, beleza? – Zac se aproximou nos cumprimentando, um dia, uns dez minutos depois que o intervalo já havia começado. – Posso me sentar aqui? – ele me perguntou, indicando com o olhar o espaço vazia ao meu lado.
- Claro! – respondi, deslizando meu bumbum pro lado para lhe dar mais espaço.
- Nossa, que milagre você sentando pra almoçar todo dia com a gente... O que aconteceu? Tá doente? – Suzy brincou, colocando uma das mãos na testa dele como se fosse medir sua temperatura.
- Nada, ué! Será que não posso curtir uma refeição tranqüila ao lado dos meus melhores amigos? – ele respondeu, abrindo aquele sorriso lindo e encantador e dando uma mordida enorme em seu hambúrguer logo em seguida.
- Aham sei, Sr. Zac! Até parece que não te conhecemos! – disse Britt, lançando-lhe um olhar desconfiado.
– Você nunca foi de ficar parado na hora do almoço, muito menos sentar com a mesma galera por mais de dois dias consecutivos, agora tá sentando com a gente TODOS OS DIAS?... Aí tem coisa! – completou Suzy, também lhe lançando um olhar desconfiado.
O resto do pessoal concordou com os comentários das duas e também lançaram-lhe olhares desconfiados e cheios de curiosidade.
Ele encarou todos aqueles olhares na mesa e riu alto:
- Euu heim, galera! Que feio desconfiar assim dos meus sentimentos por vocês! – ele fez cara de chocado depois de triste – Eu vim almoçar com vocês porque gosto de vocês, senti falta.. Sei lá! Po! Achei que fossem ficar felizes com meu retorno!...
- E ficamos!... – animou Britt.
- Muito! – acrescentou Suzy.
- Mas que aí tem coisa, tem!... – disse Phill, coçando uma barba imaginária, encarando o amigo de forma indagadora.
- Tem certeza que não tem nada a ver com o fato de a Mel estar aqui todos os dias durante o intervalo inteiro? – Elloy perguntou, deixando Zac numa saia justa e eu da cor do tomate da salada do meu prato.
Zac, que fazia desenhos de ketchup na parte de seu hambúrguer que iria morder, não respondeu nada, só deu um meio sorriso que bastou pra que todo mundo emitisse sons confusos, alguns expressando surpresa, outros que “já sabiam”. “Já sabiam de que? Eu heim, povo louco!” pensei.
O mais estranho de tudo é que nós não desmentimos nada apesar de sabermos que na verdade não estava rolando nada entre a gente. Acho que ele tava na mesma situação que eu, afinal: deixando rolar para ver no que ia dar.
Eu ainda estava com meus sentimentos muito confusos com relação a nós - se é que de fato existia “nós” - mas uma coisa era certa: de todos os meus novos amigos, foi com ele que eu tive mais afinidade e com ele que eu mais convivia porque além de nós nos conhecermos, nossos irmãos estudavam juntos, nossas mães se conheciam das reuniões de pais e nossos pais trabalhavam na mesma empresa. Pra completar, mais ou menos na metade do semestre, eu e minha família fomos morar no mesmo bairro que a família dele morava, mais precisamente na mesma rua, na casa quase em frente da dele. Isso tudo só fez com que convivêssemos mais e criássemos laços de amizade ainda mais fortes.
Nós passávamos muito tempo juntos dentro e fora da escola. Quando ele não estava na minha casa, era eu quem estava na dele. Muitas vezes ele vinha de madrugada quando perdíamos o sono, ficávamos conversando na casa da árvore no quintal dele ou do lado de fora da janela do meu quarto, sentados no telhado.
E conversávamos sobre vários assuntos, sempre tínhamos alguma coisa pra compartilhar com o outro. Era uma afinidade que eu não tinha nem com meus melhores amigos brasileiros dos quais eu era amiga há anos! Também nos divertíamos bastante, porque ele era muito engraçado, vivia fazendo piada de tudo e de todos, até nas horas drásticas, exatamente como eu, então nós nos damos muito bem logo de cara. Mas como toda boa amizade entre duas pessoas de sexos opostos, nossa amizade também enfrentou preconceitos, ganhou um rótulo e foi à prova...
Nós éramos tão unidos e tínhamos tanto carinho um pelo outro que até quem não nos conhecia falava que formávamos um casal bonito. No início a gente ficava sem graça e negava, mas como ninguém nunca acreditava – até nossos familiares demonstravam ter algumas dúvidas as vezes – a gente acabou desistindo de tentar convencê-los e passou a entrar na dança.
- Ai, vocês são tão bonitinhos, sabia? Quanto tempo de namoro vocês têm? – perguntou a moça da sorveteria numa das muitas tardes de domingo que fomos lá com o resto da turma.
-Desde a maternidade, né, amor?... – o Zac respondeu, passando um braço em meu ombro, me dando um beijo na bochecha.
- Não... Acho que tem mais tempo... Desde alguma vida passada... – zombei, retribuindo o beijinho e sorrindo pra moça, que se deu por satisfeita.
A gente fazia dessas cenas, que deveriam ser constrangedoras, uma grande piada. Toda oportunidade que tínhamos de fazer hora com a cara de alguém nós fazíamos e até nossos amigos entraram na brincadeira.
Até nossas famílias duvidavam da nossa “só amizade”. Na casa dele eu era tratada como uma rainha e ele como rei na minha. As irmãs mais novas dele me chamavam pras festinhas do pijama que faziam com as amiguinhas como se eu fosse uma amiguinha da mesma idade e os meus irmãos chamavam ele pra brincar aqui em casa como chamavam os amiguinhos da escola.
Nossos pais já confiavam tanto na gente que quando saiam a noite pra fazer algum programa a dois ou com amigos, pediam pra eu e o Zac sermos os babás da criançada. A primeira vez que isso aconteceu foi super estranho porque eu nem sabia que ele viria aqui em casa naquele dia:
- Zac? O que você ta fazendo aqui a essa hora? – perguntei quando abri a porta e vi que era ele.
- Vim trabalhar, oras! Serei babá de vocês! – ele falou com aquele jeito brincalhão e sorridente.
Fiquei meio perdida a princípio, mas ele logo me esclareceu que era um “contrato temporário” e que na manhã seguinte ele iria embora.
Quando ele ia lá pra casa ou eu ia pra casa dele significava basicamente: comer besteira, jogar vídeo-game, assistir filmes, rir muito e ir dormir muito tarde. Meus irmãos adoravam quando ele ia, mas mais ainda quando trazia os irmãos mais novos dele e aí a festa era completa. O mesmo acontecia na casa dele: quando eu aparecia com meus pirralhos a tira-colo o trabalho de babe virava uma festa infantil com dois palhaços!
A parte ruim era depois que a criançada dormia porque sobrava pra gente, os babás, arrumarem tudo. Mas também era a parte boa porque era a única hora que nós ficávamos a sós e, confesso, as vezes pintava um climazinho!
- Eles dormiram... – falei em voz baixa quando voltei a sala, depois de ter finalmente conseguido colocar Dodô, Cacá e Clarinha pra dormir.
- Você já ta com sono também? – ele perguntou.
- Não muito na verdade... Mas acho que já vou me arrumar pra dormir... – respondi, me sentando no sofá ao lado dele. – Por quê?
- Porque ainda tem mais um filme.. ta afim de ver enquanto o sono não vem?
- Claro! Só vou trocar de roupa logo que daí depois é só ir deitar, né?
Ele concordou e nós fomos vestir nossos pijamas e escovar nossos dentes, eu no meu quarto e ele no banheiro social.
Alguma coisa me dizia que eu deveria vestir o pijama mais sexy que eu tivesse. Não que eu tivesse algum, naquela época, mas que pelo menos não fosse nenhum moletom surrado, nem nenhum dos pijamas montados com peças de roupas velhas que só devem ser usadas dentro de casa. Escolhi um shortdoll feminino e delicadinho de seda que eu havia ganhado de aniversário e só usava quando tinha visita em casa ou quando viajava.
Quando voltei à sala ele estava sentado no sofá de cueca samba-canção de estampas geométricas escuras e regata branca quase transparente bem justa no peitoral e nos braços. Seus cabelos estavam daquele jeitinho preso frouxo com alguns filetes soltos sobre o rosto do jeito que eu gostava.
Era estranho a gente se ver em trajes íntimos, eu fiquei bem desconcertada e a julgar pelas maçãs do rosto dele estarei bem vermelhas, acredito que ele também.
Como minha mãe já havia deixado a roupa de cama e o colchão na sala para ele dormir ali, ele mesmo já havia arrumado tudo e se sentou no colchão. Eu me sentei no sofá atrás dele.
- Ei! – ele chamou – Não quer deitar aqui? Fica melhor pra ver o filme...
Ele estava certo, sem dúvida, mas eu hesitei um pouco. Não que eu desconfiasse dele, achasse que ele iria me agarrar ali ou coisa assim, mas porque fiquei com medo dele me achar uma oferecidazinha qualquer ou coisa do tipo. Mas depois pensei “Se ele não quisesse que rolasse alguma coisa, não teria me chamado pra sentar ao lado dele, certo?” Então eu tomei coragem e me sentei ao lado dele no colchão.
A certa altura do filme, me toquei que ele havia passado seu braço pelo meu ombro e que estávamos praticamente abraçados como um casal. E estava tão bom assim! Por algum motivo eu me sentia incrivelmente confortável, segura e feliz.
No mento seguinte estávamos nos beijando. Aconteceu de uma forma tão natural e serena que não deu tempo de notar o que nos levara aquilo, se era a nossa proximidade naquele momento ou se era o clima de romance do filme ou se simplesmente éramos nós assumindo nossos sentimentos um pelo outro.
Depois do beijo, veio aquele momento de extrema “sem graceza” em que nenhum dos dois sabe exatamenteo que falar, nem se há algo a falar. Ficamos nesse hiatus por minutos que pareceram décadas, até que ele finalmente as primeiras palavras foram ditas:
- Desculpa, eu não devia... – nós dois falamos ao mesmo tempo e nos assustamos e rimos da coincidência.
- Não, Mel, eu é quem tenho que me desculpar. Eu... – ele começou de novo, todo sem jeito. Foi a primeira vez que eu o vi ficar desconcertado de verdade e não fazer nenhuma piada disso pra tentar reverter a situação.
- Acho que ninguém aqui tem que se desculpar na verdade... Nenhum de nós foi obrigado a fazer nada, não é verdade? – falei o olhando o encarando, tentando encontrar os olhos dele, mas ele os desviava.
Naquela hora ouvimos o carro dos meus pais entrar na garagem e nos afastamos por reflexo.
- Acho que eles não vão gostar se... – ele falou, apontando o dedo indicador pra nós depois olhando o colchão e nós dois debaixo das cobertas juntos.
- Não, não mesmo! – concordei me levantando – Vou pro meu quarto... Finja que você foi o único sobrevivente da noite... sei lá. – eu ri, me levantando. – Boa noite!
Me despedi e fui pro meu quarto correndo e me joguei debaixo das cobertas pouco antes de ouvir a porta da sala sendo aberta. Fechei os olhos pra forçar o sono a vir, mas a única coisa que vinha era a imagem do nosso primeiro beijo.


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No dia seguinte quando acordei ele já havia ido embora e eu me perguntei se o que tinha acontecido tinha sido real ou só um sonho. Claro que eu sabia que era real e gostava de saber disso, mas ao mesmo tempo eu queria que tivesse sido um sonho muito bom, porque tinha medo. Medo de que o que rolou entre nós não passasse de um beijo e nossa amizade jamais voltasse a ser como era.
Eu tive medo de tocar no assunto quando nos encontramos naquele mesmo dia no churrasco do pessoal da empresa dos nossos pais. Alias, tive medo até de me aproximar dele, mas era inevitável, então tentei parecer o mais natural possível quando ele me cumprimentou.
- Tudo bem e você? – respondi, lhe dando um abraço e um beijinho como de costume.
- Tô bem também... – ele também respondeu bem natural.
Passamos o churrasco inteiro juntos, conversando sobre “n” assuntos, mas nenhum deles remetia ao que acontecera entre nós na noite anterior, o que me fez acreditar que ele estava na mesma situação que eu: esperando que eu puxasse o assunto. Mas eu não puxei, ele também não e ficamos por isso mesmo. Continuamos levando nossas vidas normalmente, guardando aquele segredo.
Ficamos nessa por semanas até que fomos acampar junto com o pessoal do teatro num dos parques naturais de Tulsa para nos despedir do verão e dar as boas-vindas ao outono - uma tradição do pessoal do teatro.
Após armarmos nosso acampamento... Ou melhor: após OS MENINOS armarem nosso acampamento, nos juntamos a um outro grupo de jovens que acampavam por ali também e fizemos uma festinha em volta da fogueira, com bastante marshmallow, batatas, queijos e linguiças. Os meninos, como sempre, levaram as bebidas que conseguiram com o mesmo “camarada” do dia que fomos a casa do Phill.
Depois do vexame pós casa do Phill eu jurei que não iria mais beber nenhuma gota de álcool na minha vida, mas naquela noite fazia um friozinho gostoso que pedia uma bebida pra esquentar, então acabei tomando um pouco, dividindo com Britt que também queria só se aquecer.
Fiquei praticamente a noite toda com as meninas enquanto Zac e Elloy e mais dois caras do outro grupo tocavam seus violões e puxavam a cantoria envolta da fogueira. Apesar de nós quase não termos nos falado nem sequer termos ficados próximos, sempre que o olhava nossos olhares se encontravam e se desviavam quase imediatamente e vez ou outra trocávamos meio sorrisos.
Ficamos nesse jogo de flerte aquela primeira noite inteira. As meninas fizeram um comentário ou outro referente a isso, mas como eu não tava dando muita continuidade ao assunto, elas não insistiram nas indagações.
Na hora de dormir, eu ia dormir com a Akemi, mas quando cheguei em nossa barraca, ela estava com um dos meninos que havíamos acabado de conhecer naquela noite. Os dois estavam bêbados e praticamente me enxotaram da barraca quando eu entrei pra pegar minhas coisas. Fique uma fera com isso e não via a hora do efeito da bebida passar pra eu falar umas poucas e boas para ela.
Fui até a barraca de Suzy e Britt, mas já estava apertado demais pra colocar um terceiro saco de dormir, então elas sugeriram que eu fosse dormir com o Zac já que o Phill não fora e por tanto ele estava sozinho.
Tentei disfarçar minha alegria com aquilo pra não despertar nenhuma desconfiança por parte delas e acho que fui muito bem sucedida nisso. Fui até a barraca dele fingindo uma relutância:
- Zac? Ta acordado? – me aproximei da barraca dele e falei num sussurro alto suficiente para ele ouvir.
Ele não respondeu, só abriu a portinha de zíper e me iluminou com uma lanterna.
- Estou... ta tudo bem? – ele pareceu preocupado.
- Na verdade não... Estou sem lugar pra dormir... – reclamei em seguida explicando toda a situação.
Ele me colocou pra dentro prontamente e me ajudou a arrumar minhas coisas lá dentro.
- Eah... Preciso me trocar... – falei meio sem jeito assim que terminamos de ajeitar nossas coisas lá dentro.
- É claro! Dãã! – ele ameaçou se levantar pra sair, mas eu o impedi.
- Não precisa sair! Tá bem frio lá fora... Só... vire pra lá e feche os olhos, por favor?
Ele me obedeceu, mas ficou ameaçando olhar toda hora, de brincadeira. Ele era um pentelho e eu gostava das pentelhices dele, mesmo quando ele se mostrava ser o maior sem noção!
- Pronto, seu pentelho tarado, pode virar! – brinquei quando terminei de me vestir.
Ficamos conversando um pouco, ele me ofereceu mais um gole de uma bebida louca que ele e Elloy haviam criado para “espantar o frio e a timidez”, depois nos preparamos para dormir.
- Seu cobertor está dentro do saco? – ele observou quando eu abri meu saco de dormir.
- Trou... Droga! – exclamei com raiva.
- O que foi? – ele se sentou, me olhando preocupado.
- Deixei meu cobertor na outra barraca. Droga! – praguejei tanto contra a Akemi mentalmente naquele momento! – Ah, mas ta de boa. Tô com pijama de frio e meias...
Zac me olhou como se estivesse vendo um fantasma.
- Você ta doida? Acha MESMO que suas meias coloridas e seu pijama “fofo” – ele caçoou de mim – vão te ajudar?
Eu continuei o encarando sem entender aonde ele queria chegar.
- Mel, você vai congelar! O tempo aqui é meio instável, você não deve ter percebido porque estávamos bebendo, mas a temperatura já caiu bastante desde a hora que chegamos e vai cair ainda mais de madrugada.
- Aff! E você quer que eu faça o que? Eu não vou voltar lá e interromper o casalzinho. – falei essa última palavra com tom de deboxe.
Antes que eu pudesse pensar em qualquer outra solução, ele abriu seu saco de dormir e falou:
- Entra aqui. Cabe nós dois.
Fiquei o encarando incrédula. “Ele ta MESMO me chamando pra dormir com ele? Literalmente?!”
- Anda Mel! Entra aqui! – ele deu tapinhas no espaço vazio – Prometo que só mordo se você quiser! – ele riu e deu uma piscadinha sexy. Eu senti meu rosto corar com a piadinha de duplo sentido.
Tentei protestar falando que não havia necessidade dele abrir mão do conforto dele, que eu ficaria bem, mas ele estava irredutível. E além do mais, foi só ele falar que eu comecei a sentir um friozinho passar pelo tecido do meu pijama.
Me deitei ao lado dele e virei pro lado.
- Boa noite. – desejei, o constrangimento ardendo na pele do meu rosto.
- Boa... – ele respondeu.
Mas eu estava sem sono, estava tensa. Meu coração estava acelerando enquanto eu tentava me manter o mais encolhida e distante dele quanto fosse possível, o que era quase impossível, mas eu estava conseguindo. Havia uma tensão no ar, que vinha tanto de mim quanto dele. Havia uma expectativa também... Não sei muito bem. Era como se os dois esperassem do outro uma deixa pra se aproximar. Não sei por quanto tempo ficamos nessa, mas não deve ter sido muito tempo...
- Já dormiu? – ele perguntou.
- Não. E você? – nós rimos da minha piada idiota.
Ouvi e senti ele mudando de lado, se colocando de frente pras minhas costas, com ose fossemos dormir de conchinha, mas sem se aproximar.
- Ta tudo bem aí? Tá confortável?
- Tá.... – respondi – Tá tudo certo aqui. Por quê?
- Tem certeza? – seu hálito quente tocou delicadamente a pele do meu pescoço.
- Sim... – eu não estava entendo a pergunta. – Mas por quê?!
- Por que você está fugindo de mim. Deve ter alguma coisa errada, então, certo? – ele perguntou.
Não precisei me virar para ver que ele estava sorrindo daquele jeito meio sapeca que só ele conseguia sorrir.
- Eu não estou fugindo de você! – protestei indignada com a acusação – O que te faz pensar isso?
Ao mesmo tempo que era verdade – eu não estava fugindo dele - era mentira – eu estava! Eu queria me aproximar, abraçá-lo e ficarmos do jeito que havíamos ficado lá em casa naquela noite, mas não sabia se ele queria isso também e jamais tomaria a iniciativa. “Se ele tiver afim, ele que chegue junto!” decidi.
- Está sim, Mel... E você SABE que está! – ele continuou meio que me provocando - Desde aquele dia que nós ficamos você tem evitado ficar a sós comigo. Eu percebi.
Eu queria negar a acusação, falar que era “coisa” da cabeça dele, mas no fundo eu sabia que ele estava certo: eu estava correndo de ficar a sós com ele porque não sabia se conseguiria me controlar por muito mais tempo e eu queria me controlar.
- Eu só não consigo entender muito bem por que? – ele continuou.
Eu ainda estava de costas pra ele – não tinha coragem de olhá-lo nos olhos – mas pelo tom de sua voz, percebi que havia uma certa mágoa ali, um desapontamento, talvez, e isso estava partindo meu coração.
Afinal ele não estava fazendo nada errado... Estava? Acho que a mais errada ali era eu por tê-lo deixado acreditar que teríamos um futuro juntos, sabendo que não teríamos. Mas ao mesmo tempo eu também não sabia em qual estágio do “gosto de você” ele estava. Sinceramente, achei que estava muito abaixo do que o que aparentava estar.
- Eu não sei... – falei, mas minha voz quase não saiu. Na verdade eu só tinha me tocado que eu havia falado isso quando o senti se aproximar e se encurvar sobre mim pra me olhar no rosto.
Nessa hora me virei e o olhei nos olhos, sem saber exatamente o que fazer ou dizer. Estávamos há uma distância perigosamente curta um do outro, nossos lábios quase se encostando. Eu podia sentir nossos batimentos cardíacos dançarem numa perfeita sincronia.
- O que você não sabe? – ele falou num sussurro sedutor demais para um rapaz de 16 anos e se aproximou mais, agora nossos corpos se encostando, cada milímetro do meu corpo se arrepiando.
Antes que eu pudesse pensar numa resposta, nós já estávamos nos beijando.